sexta-feira, 15 de julho de 2005

coração de minas

sexta-feira insana. há somente dois meses que a família inteira sabe da viagem de hoje à noite. óbvio que ninguém se preparou para nada. no meu caso, dois meses de ensaio psicológico para seguir rumo à minas. entendam, não é o lugar, amo minas. belzonte, ouro preto, maquiné, tabira, caeté, patinga, beraba, berlândia, três corações, aiuruoca, caxambu, são lourenço, são thomé, tiradentes, patos de minas, são tião do paraíso, monte cião, são jão del rey, sabará, camanducaia, poços de caldas, águas claras, cidades que não acabam mais. se atrevesse a descrever o rumo exato para onde vou qualquer um desejaria me queimar na fogueira se eu proferisse um 'a' negativo. volto ao dia de ontem.
***
o relógio marcava 22h35 quando os pés pisaram em casa depois de um dia intenso no trabalho. dois olhinhos sorriram entre a felicidade da chegada e a aflição da partida. exata sensação de frio na barriga quando se voa alto na gangorra. desejos: corte de cabelo, manicure, depilação, sobrancelha, vacina antitetânica, costureira e lavanderia. coisas de mãe. a minha, de bengala, apregoa o impossível. e eu, ao ouvir, me preocupo com a narrativa.

enquanto mais um fio branco brota no couro, vejo morta a minha manhã de sexta e o meu curso de alemão. uma falta a mais era tudo que eu não podia ter. mas alguém precisaria ajudar aquela alma e eu não passaria ilesa. a omissão viria mais tarde como um crime ao ouvi-la dizer das coisas que teve vontade, mas "não teve tempo".

tudo realizado das 9h às 13h. recorde de quatro horas com saldo positivo ao sorriso agradecido de quem ama e se ama. nervos aflorados e o carro com menos tinta na lateral, façanha de um motoqueiro que bateu no veículo parado em pleno rush da av. 23 de maio. santa capacidade, batman. os mano, pá! as mina, pow!

corre cotia na casa da tia. corre cipó na casa da vó - falta agora mamãe entrar em acordo com o guarda-roupa para conseguir colocá-lo inteiro dentro de uma ou duas malas. e claro, várias sacolas à parte. o essencial é sempre deixado pra trás. assim como a dúvida do ferro ligado e o botijão fechado. esquece. malas, malinhas e maletas. bolsas, bolsinhas e sandálias havaianas. mais uma missão para quando regressar do jornal. esvazia-se pela metade a bagagem e a pergunta fatal: consegue agora carregar?

não. mi madressita nada carregará. mas para quem não sabe a medida das coisas, vale a medida do punho. ou do muque. aprendi às duras custas. sempre levava o mundo até que um dia o ônibus em que viajava com o meu irmão quebrou. verão qualquer na década de noventa. ouvi dele: "não fez a mala? agora carrega. cada um faz a mala que consegue carregar". quase chorei para tirá-la do chão. mas depois disso, aprendi a arrumar mala e apregôo por todos os cantos as maravilhas de se levar o kit básico da mulher moderna. sou a arrumadeira de malas oficial da casa. mas nem sempre cumpro a função. delego responsabilidades, mas não nego consultoria e vistoria final.

a bem da verdade, não faço disso uma regra. tudo depende da situação. se o carro carrega, abuso. mala, valise e todos os apetrechos tecnológicos que tiver à mão.

e minas nos aguarda. com todos os queijos, azeitonas, salames, torresmos e guloseimas. nova união, a cidade que surge do nada para o mundo. cerca de setecentos quilômetros de sampa. até chegar ao sítio, um belo estradão de terra e cheiro de mato que adentra as narinas. o carro se transforma em poeira e a sensação de aventura cora a pele. vacas à solta. cachorro vira-lata qualquer. galinhas de um lado para o outro. coelho, raposa, gambá. e onde cravo estada é tão no nada do mundo que nem gente da roça com passos lentos e certeiros são encontrados por lá. corujas e calangos, sim. gente simples que não receia cumprimentar, dar bom dia, chupar capim, não.


uma ponte, um córrego que leva a um lago. árvores, tantas copas a guardar no alto um longo mosaico azul entrelaçado por estrelas. lampião de gás, tenho saudade. dos tempos em que morei em vitória. lá tinha uma energia caótica e a lua cheia embalava poesias e canções na varanda de casa. da vergonha de pronunciar "gaúche" ao invés de "gôche" ao ler drummond nos meus remotos sete anos de idade.

o que sabe uma pessoa aos sete anos? muita. muita coisa. o problema, parece, está com o passar dos anos. desaprende-se quase tudo. e faz-se questão disso.

voltando. o sítio fica cravado no nada. no nada tem um mundo. e montanhas. para onde se olha, a mesma paisagem. mesma, mas diferente. e como é bonito. passo horas a ganhar o céu e a sonhar com o infinito. com aquelas coisas íntimas que se deseja no fundo da alma mas nem para a nossa sombra a gente compartilha com medo de que assim possa não se realizar.

meados de julho. nessa época do ano faz um frio indescritível em nova união. ainda assim arrisco o fervor da sauna e o contraste gelado da piscina. depois de repetir incessantemente a cena, banho e um lugar próximo ao fogão de lenha. é melhor que ficar junto à lareira, porque é espaço de televisão. gosto da natureza, pura e simples. e não tenho a menor paciência para certas superficialidades familiares. e morro de rir com um tanto de outras. há um bando de debochados impagáveis, um punhado de gente que amo. e gêneros. o que seria 'a grande família' nomeio carionhosamente de máfia.

os diniz(es) são fogo. há quatro anos nos encontramos para o que já se tornou tradicional: a festa julina do sítio sentinela da liberdade.

a missão é maior dessa vez. é também conhecer uma cidade próxima chamada barão de cocais. há meses meu pai trabalha na região e mora nesta cidade...

também verei o vovô. pai de meu pai. com os seus 90 anos, faz mais fumaça que qualquer chaminé. e me ama tanto que concede coisas que ninguém na família consegue. danças, cantorias, versos, poesias e longas conversas abraçados um ao outro. ele se emociona e me emociona. mineiro de todo, magro, viúvo há 13 anos, e agora deu de querer fugir do banho. fala de deus e pinta o inferno sob a face do mst e do lula. questiona tratados sobre deus sem abrir mão do catolicismo. destrincha a juventude de agora com a da época em que pilotava uma motocicleta endiabrada nos anos trinta para entregar leite. da pouca educação dele e do império que criou: onze filhos, nove ainda vivos, netos e bisnetos a perder de vista.
***
voltemos à maratona matinal de hoje. no salão de beleza para mamãe se cuidar. dona leila, uma senhora que quando soube ter 82 anos subtraí-lhe 15 no ato. não pela mentalidade, mas pela disposição. ela blasfemava sobre o romance de suzana vieira com bruno gagliasso, mais uma dessas carinhas 'globo e você, nada a vê'.

- ela tem 62 anos e ele 23. são 39 anos de diferença, acrescentava sem se conformar.
- suzana é quem tem sorte, respondi.

a senhora virou com ânsia para ver quem dissera aquilo. eu mesma, 1.60, 28 anos, cabelos longos e desgrenhados, fala firme sem perder a doçura.

- tem um menino que gosta, ávido por uma série de coisas e cheio de energia a favor dela. o que ela precisa fazer? se quiser, nada. apenas administrar e usufruir dos benefícios provindos da relação.

gargalhada no ar. o salão foi por terra. com exceção de minha mãe, que concorda comigo e bem conhece o seu gado, ninguém acreditara que eu dissera aquilo a quem nem conhecia.

dona leila mirou meus olhos e se pôs pensativa a caminhar de um lado para outro. tinta no cabelo, alumínio por toda cabeça. veio em minha direção:

- então tá. vou arranjar alguém novinho e quero só ver o que vocês vão fazer.
- festa, dona leila, faremos uma grande festa, respondi.

o salão inteiro concordou. sorri. enxaguaram-lhe o cabelo. depois veio o corte e a escova. dona leila estava pronta para ir embora, quando cheguei perto e soltei a última:
- mas a senhora ficou muito bonitona. desse jeito não irá namorar alguém de 20, mas um garoto de 16.

ela relaxou e sorriu gostoso.
- você é anarquista, garota, fala com segurança, parece saber muito bem o que quer. espero que consiga tudo que deseja na vida. e foi embora.

ih, criei um samba. mas não perdi o tema. nem o trem. falava de minas e fui para as coisas do mundo. minas tem o mundo e o coração em minhas mãos. tem meu amor. e bate, bate fundo a essa hora, num recanto um tanto escondido, num recanto de canto qualquer.

Um comentário:

Anônimo disse...

Prima, hahahahha, é única no mundo essa familhona. E não tem como ser diferente, a máfia diniz é muito grande pra gente ser "profunda com todos". Nessa família todo mundo sabe de tudo mas finge que não sabe. Você é só transparente, disse o que todos, ou melhor, a maioria já sabe. Adorei, ahahahaha, tudo de bom. Só rindo. A máfia diniz não seria a mesma sem você!!! Te amo.