sexta-feira, 27 de agosto de 2010

chame-me de frederico. qualquer coisa que aplaque a dor...

tento descobrir o exato momento entre a ascenção e a queda. mas a dor é lancinante demais para que eu possa recordar de alguma coisa precisa. ainda. [se não bastassem as tantas dores a que somos subjugados o tempo inteiro]. mas a dor física - às vezes - supera a emocional. ou confunde-se. coisa boba, de consequência drástica.
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lembro de abrir a porta do carro - e o mundo sumir debaixo do meu pé. na verdade, eu que caía. avalanche de mim sobre mim mesma. ruína. a sensação exata do pé rodar para a direita e a perna para a esquerda. pé retorcido, sonoplastia inesquecível, de corpo descompatibilizado.
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[e um idiota que passava na hora apenas riu. o imbecil rapaz. devia ter a minha idade, quase. ou mais. e mesmo sob a expressão de desespero alheio, encarou, riu e seguiu. a dor era muita para eu conseguir falar qualquer coisa, mas pensei: "quer rir, ria, mas ajude-me".
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logo percebi que a minha perna não correspondia nem respondia. olhei ao lado, e nada, ninguém. mas nessas horas arruma-se força sabe-se lá de onde, e como a porta estava aberta, consegui com os braços me jogar para dentro - ainda urrando de dor. nem ouvi quando uma senhora chegou.
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"moça, você caiu?". revirei o corpo no carro, num esforço sem tamanho, gemendo respondi: "caí, senhora. faz uma gentileza para mim?". "qualquer coisa", ouvi. "vá ao café e chame a esther para mim?". ela foi imediatamente [havia um mundo de coisas a resolver, e esther teria que pegar um taxi e ir sozinha].
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essa senhora foi um anjo. nunca a vi na cidade. gostaria tanto de agradecê-la. mas não lembro direito do seu rosto. surgiu do nada e me salvou. lembro dos olhinhos dela - solícitos e com dó. jorge foi o primeiro a chegar, preocupado e perguntando o que acontecera. eu não conseguia falar. ele percebeu. e roberta que passava, também. esther, jô, inês e a filha chegaram em seguida. todos apavorados. eu não sabia se ria, se chorava, eu ainda controlava as lágrimas [mulher não chora!] que insistiam em rolar. e a respiração ofegante. visão abalada. mas começava a entender, e a explicar.
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um buraco me destroçou. um buraco na joão pinheiro moeu o meu pé. "ou fez-me destroçar a mim mesma", como ouvi a pouco de um enfermeiro no hospital. viva as ruas de caxambu!
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primeiro diagnóstico foi da cláudia figueiredo, antes dela mesma me levar para o hospital [tem como agradecer? muitíssim'obrigada!]. depois de todos me socorrerem e me levarem para o café, jorge encheu de gelo uma sacola e capúti no meu pé. esther foi resolver o que dava da vida. eu estava sentada quando vi a cláudia surgir.
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"ah, eu precisava mesmo de uma professora de biologia agora. que parte exata do pé é esta, cláudia?". "meu deus, ana laura, o que aconteceu? você precisa ir para o hospital urgente!". e foi ela quem me levou. eu tinha a chave e o carro, só não tinha pé. "parece que quebrou", ela disse.
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todos no hospital também acharam a mesma coisa. inclusive o médico. e o rapaz do raio x.
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cláudia comigo no hospital, à espera. demorou. esther me encontrou depois lá, esbaforida, preocupada. cláudia seguiu o dia e eu, exames. cirurgia cogitada, possível mesa já arranjada, 90% de possibilidade de quebra. pedi papel depois de mais de três horas sentada numa cadeira de rodas no hospital - medicada, aguardava procedimento médico qualquer. preocupada com os dias, com os trabalhos, com a vida. e impotente. escrevi muito para driblar a dor. essas palavras que agora aqui replico. escrevi, escrevi, escrevi. repito, para driblar a dor. [a gente se engana tantas vezes, de tantas maneiras]. e nada.
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tudo agora gela. até as mãos. o pé, sem reação, parecia endurecer. e dor à parte, um latejar sem fim.
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[dr.] joão jorge veio me ver no hospital. junto com joão daniel que ajudou a salvar o resto do meu dia. resolveu quase tudo que eu faria, se tivesse conseguido entrar naquele carro sem acidente. muit'obrigada também!
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finalização da ópera: torção, um ou outro ligamento rompido, mas sem cirurgia e quebra. estou com uma tornozeleira reforçada nos pés inchados [e não posso tirar para nada, nem para o banho - aliás, nem quero pensar nessa parte agora]. a dor virou amiga - acho que seguirá comigo ad eternun, sem traição, e nesse caso: que pena! e muletas que me machucam as axilas. dois meses, com sorte, para ficar nova - de novo.
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e sem sequelas, por favor.
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não posso me movimentar. nada de nada. pernas ao ar. repouso absoluto. não sei o que fazer [nada], e nem em que pensar [penso, sempre penso - "o inferno são os outros?". hoje, "não". o inferno são as ruas. ou os buracos que não deviam existir].

em casa, repouso absoluto

no hospital, enquanto aguardava na cadeira de rodas

preciso dizer mais alguma coisa?

2 comentários:

Engels Chagas disse...

Ana Laura, você é filha da Maria Amália?

ana laura diniz disse...

Olá, Engels, como vai?
Não sou filha da Maria Amália... mas posso te ajudar?
Beijos, seja bem-vindo =D