por Ana Laura Diniz
O caso da menina Isabella Nardoni Oliveira, 5, encontrada caída no jardim do prédio em que o pai mora, na zona norte de São Paulo, no dia 29 de março, tem emocionado o país. Na rua, na padaria, no restaurante, na escola, no boteco da esquina, sempre alguém desenrola os fios dessa tragédia como sendo um romance policial: mais dramático - porque real -, mas repleto de contradição, suspense e mistério.
Uma série de indícios colocaram o pai, Alexandre Nardoni, 29, e a madrasta, Anna Carolina Trotta Peixoto Jatobá, 24, na mira do fogo: vestígios de sangue no apartamento e na roupa de Anna Carolina; uma pegada encontrada no lençol do quarto em que a menina teria sido jogada é compatível com o calçado da madrasta (isoladamente, os policiais sabem que é insossa essa prova); o corte na tela da janela; Isabella parece ter morrido por asfixia antes da queda; Isabella deve ter sido jogada com os braços esticados e de cabeça para cima (e não de cabeça para baixo como inicialmente alegaram); o relato de vizinhos que teriam ouvido a menina gritar "pára, pai! pára, pai!"; segundo informações veiculadas nos jornais, há pelo menos um investigador que acredite que Isabella sequer foi jogada pela janela; e pra fechar o rol, uma delegada que acompanha o caso chamou Alexandre de assassino na saída do depoimento à polícia (se emocionalmente abalada, deveria ter sido afastada imediatamente do caso).
Quando as pessoas me cercam, procurando saber a opinião da jornalista, da professora, a resposta sai pronta: "aguarde e verá. cuidado com os achismos e os juízos de valor". Mas de quebra, revidam comentários de quem adora nutrir uma boa fofoca: "ahhhh, mas você não acha que foi o pai, aquele safado? e a madrasta?! eu vi no jornal, tá na cara que ela não gostava da menina... tinha ciúmes da mãe, tinha dela também". (sic)
Eu não acho nada. Não fui feita para achar isso ou aquilo a respeito dessas coisas e da vida das pessoas. Não cabe a mim julgar o que nem foi apurado por completo. E mesmo diante da afirmação de que alguns vizinhos teriam ouvido a garota gritar "pára, pai! pára, pai!" faz crer que ele seja o culpado. Infelizmente, e não é surpresa para ninguém da imprensa, muita coisa também se diz na vontade de aparecer, naqueles dez segundos de fama.
A soma dos indícios sem dúvida pode levar o público a desconfiar da história contada pelo pai e pela madrasta, mas não pode de maneira alguma permitir que os responsáveis pelas publicações das reportagens sobre o caso tratem o casal como culpado ou mesmo suspeito desde o início das investigações.
Entendam. Não se trata aqui de uma defesa ao pai e à madrasta da menina. Ele ou ela ou eles podem até serem os culpados pela morte da garota –, mas é preciso atentar aos princípios éticos mais básicos do jornalismo. É necessário agir seriamente como profissional e não como um bando de farofeiros sensacionalistas, arruaceiros. Porque não resta dúvida de que a fúria e os comentários populares, da massa, são fomentados por uma mídia também irresponsável, que condena sem que as investigações estejam concluídas.
Quem precisa de justiça no país? O casal tem os seus rostos espalhados deliberadamente em todos os sites de notícias, nas mídias impressas, nas redes televisivas. Diante de uma tragédia, o que temos é apenas a exaltação da máxima da profissão - "notícia ruim é notícia boa" -, decolando vendas e ibopes.
O caso da Escola Base, na década de 90, que virou exemplo em todas as universidades de comunicação do país, talvez esteja se repetindo.
Na época, duas mães, Cléa Parente de Carvalho e Lúcia Eiko Tanoue, foram à polícia na região da Aclimação, em São Paulo, com uma denúncia de abuso sexual contra os seus filhos de 4 anos, alunos da escola. A queixa era contra os donos, Icushiro Shimada e sua esposa Aparecida Shimada e o casal de sócios Paula e Maurício Alvarenga. Segundo elas, essas pessoas promoviam orgias sexuais com a participação de seus filhos, filmando e fotografando tudo.
A notícia surgiu como uma bomba no Jornal Nacional, em reportagem de Valmir Salaro, e a mídia embarcou em cascata. Um telex do Instituto Médico Legal (IML) adiantava o resultado parcial do exame do menino Fábio, filho de Lúcia: "referente ao laudo nº 6.254/94 do menor F.J.T. Chang, BO 1827/94, informamos que o resultado do exame é positivo para a prática de atos libidinosos. Dra. Eliete Pacheco, setor de sexologia, IML, sede". Não precisou de mais nada. Mesmo sem qualquer prova e ciente da sede dos jornalistas pelo caso, o delegado Edélcio Lemos virou celebridade. De um lado, uma imprensa sensacionalista babava sobre as denúncias de abuso, e de outro, um delegado que fabricava informações. Mais três denúncias surgiram. Os jornais se adiantavam ao inquérito policial e até escreviam o que nem lá existia.
O extinto jornal do Grupo Folha, Notícias Populares, foi o mais cruel em suas manchetes: "Perua escolar levava crianças pra orgia no maternal do sexo", "Kombi era motel na escolinha do Sexo". A revista Veja publicou: "Uma escola de horrores" e quase todos os jornais trataram o caso de forma parcial, o que favoreceu para a execração pública.
A seqüência do episódio foi um crime social: todos foram obrigados a abandonar suas casas para não serem linchados, a escola foi completamente saqueada e depedrada, a casa de Maurício e Paula além de ter o muro pichado - "Maurício estuprador de criancinhas" - chegou a ser parcialmente incendiada. A própria Paula me narrou, no fim do ano 2000, que para sempre todos os rostos ficaram marcados como molestadores de crianças.
O laudo do IML, ambíguo, e utilizado pelo delegado como prova dos abusos, na realidade, acabou por concluir que as lesões no ânus de uma das crianças era compatível com a excreção de fezes ressecadas que, mais tarde, se confirmaria, eram conseqüência de um sério problema intestinal do garoto.
E o que temos agora no caso Isabella? Uma repetição da atrocidade? É preciso refletir pois os repórteres, os editores e os diretores de redação que hoje massacram, serão os mesmos que se calarão frente a uma possível inocência do casal. Afinal, estampar as fotos de Alexandre e Anna Carolina em primeira página com uma cobertura tão ampla não reverterá em lucro, logo, correrão atrás de alguma outra notícia que seja vendável. Uma guerra na Xexênia, quem sabe?
Na época da Escola Base, apenas um jornal desconfiou da história e se recusou a cobri-la. Quando a inocência dos donos da escola foi provada, o extinto Diário Popular foi aclamado pela sua conduta ética. Nos dias de hoje, que publicação tem preferido perder um furo de reportagem a zelar pela imagem dos envolvidos?
Muitas perguntas sem respostas.
Como termina essa história? Ainda não se sabe. Para o advogado do casal, a menina gritou realmente, mas por ajuda. Algo como "pára, pára! pai, pai!".
terça-feira, 15 de abril de 2008
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9 comentários:
Tu falas como jornalista e eu como pequena conhecedora do direito (mera Bela., tentando a OAB!): não se condena ninguém nem mesmo q confesse um crime, sem provas, q dirá numa fase investigatória como esta q está em andamento! E acho sim algumas coisas, mas daí a fazer o q andam a fazer com os pais da garota! Na verdade td mundo tem medo de dizer isso, mas é o mais sensato. E a mídia faz a festa nessas horas - vide Datena! Sanguem, sangue, sangue, como diria Seu Jorge!
Bjs e saudades!
Concordo suas palavras, e é extremamente constrangedora a forma como nossos colegas estão "usando e abusando" deste triste acontecimento. A deturpação é tamanha que a saída do casal da prisão vira cobertura ao vivo de todas as emissoras de tv, que brigam pela exclusividade de noticiar o verdadeiro culpado primeiro. Seguindo o mesmo trilho, populares prontos para linchar e condenar o casal, sem se importar, ao menos, com o que aconteceu de fato. Sociedade e mídia, sempre na busca de culpados para suas próprias mazelas. Muito triste, dois mil anos se passaram e ainda nos comportamos como os apedrejadores de Maria Madalena.
Beijão,
Celiana
Concordo plenamente Ana.
A condenação é um ato que persegue a nossa humanidade. Não condenamos injustamente o espírito mais puro do mundo por pura crueldade?
Deveríamos ter uma pequena amostra de aula de Direito nas escolas só para ensinar os princípios da Legislação, como: " Todo indíviduo é inocente, até que se prove o contrário".
Muitos pensam exatamente o contrário. Afinal, condenar é muito mais fácil do que defender.
nossa... me dá nojo de ver aquilo. Não é modo de falar nao. É nojo mesmo. Midia ridicula fazendo a cabeça de idiotas. No BR é mais facil, devido à falta de cultura da população em geral. Hj em dia todos se acham os espertos. Foda é ver a pose dos reporteres na hora das entrevistas, como donos da etica e da razão. É NOJENTO!! Vi um agora, entrevistando o advogado: "o senhor acha justo a decisão, sr. advogado. O senhor acha justo?" AFf.... Quando virei pro lado e vi minha familia que tem o QI do senso comum reclamando da justiça me deu uma nausea! Pqp, como o senso comum está baixo hj! Antigamente falava-se em "homem médio" para qualificar as atitudes do homem comum. Hj, se formos seguir a atitude do "homem médio", como o faz o direito à reporta-se à essa figura diante da análise de certos casos, cairemos em desgraça absoluta.
Infelizmente o CASAMENTO entre tragédia e IBOPE já está consolidado.
As duas partes precisam rever qual a necessidade de ficar acompanhando tragédia como se fosse um BIG Brother, aguardando e dando audiência para ver o desfecho deste triste acontecimento.
Não se fala em outra coisa, não existe mais corrupção, não existe mais Cartão Corporativo, não existe mais epidemia de Dengue, ninguém mais lembra de quantas crianças por ano morrem de desnutrição, bala perdida, abandono e tantas outras coisas tão tristes.
A miséria no paises Africanos, o Terror no Oriente Médio..Isso já não choca mais?? Acostumamos com estas barbariedades?
Emocionou, chocou?? Sim, foi algo muito triste, mais dái um PAIS inteiro virar JURI POPULAR sem ter realmente a dimensão do que verdadeiramente aconteceu é muito preocupante.
NINGUÉM e digo NINGUÉM mesmo sabe exatamente o que aconteceu.
Vamos deixar a JUSTIÇA, aos orgãos responsáveis realizarem o seu trabalho. Acredito que o JUSTO não é o que achamos que pode ter acontecido e sim o que VERDADEIRAMENTE aconteceu. E só saberemos isso quando pararmos para ESCUTAR com clareza os fatos.
RESPEITO É BOM DENTRO E FORA DE CASA!!!
ACORDA PAIS
Amiga beijos..SAUDADES
boa tarde, ana laura,
não conhecia o seu blog e adorei. principalmente porque conheço o trabalho de altíssima qualidade que desenvolve como jornalista, mas nunca a li num espaço mais informal, solto. um lugar, diga-se passagem, onde a brincadeira também é possível.
mas como cada coisa tem sua hora, assim como a maioria das pessoas, estou muito sensibilizado com o caso isabella. e por isso mesmo, achei o seu artigo perfeito quanto ao tom, à seriedade com a qual você critica o comportamento da mídia e, por tabela, de todos que prejulgam também.
é muito difícil, embora importante, esperar pela conclusão dos fatos... e o seu alerta nesse sentido se faz primordial.
o seu olhar é jornalístico, ético e comportamental. digno de sua inteligência, competência e gabarito profissional.
abraços,
joel alves
olá!
recebi a indicação da leitura e vim conferir. adoooreiiiiiii!!!!!!! passarei adiante a indicação.
beijos e que a justiça seja feita,
melissa campos
Recebi a indicação e vim conferir.
Realmente é muito lúcida a sua colocação e bastante pertinente.
Novos fatos, entretanto, vieram a público relativo aos laudos da polícia.
No entanto, independentemente da culpabilidade, o seu artigo continua sendo um alerta aos pré-julgamentos tão ansiados por aqueles que precisam de alguém para
para executar atos vís.
abraços
o que eu estava procurando, obrigado
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