segunda-feira, 13 de agosto de 2007

rotina

luiza saiu de casa depois de um rápido banho, de um rápido café, sem escovar os dentes. prometera a si mesma nunca mais se atrasar. sabia que era uma promessa falsa porém mais falsa julgava a vida e automaticamente se perdoava e expulsava da cabeça qualquer coisa que a recriminasse. saiu cantando os pneus. cortou ônibus, carros e caminhões o quanto pode. desejou voar feito os motoboys no curto espaço que lhe restava entre os veículos. cinco, dez, quinze minutos, e nada. os faróis abriram exatamente oito vezes sem que ela saísse do lugar. mas ela pisava fundo no acelerador, queimava combustível para ter a sensação de movimento. era psicológico, tudo psicológico. uma hora e meia depois, chegou ao trabalho. queria escovar os dentes, mas havia cliente à sua espera. e porque havia outro cliente e outro e outro, não almoçou, não tomou café no meio da tarde, não foi ao banheiro no começo da noite, não fez nada do que gostaria de fazer. a vida era aquilo e ponto. na verdade, tantos anos passaram-se assim da mesma forma, tantos dias... que no meio da noite o que lhe restara era o mesmo carro com um outro trânsito infindável até a sua casa. vinte e duas horas e quarenta e cinco minutos. decidiu arregaçar as mangas e mudar a sua vida. apesar de cansada, não se jogou no sofá como habitual. banho. cinqüenta minutos. enxugou-se com a melhor toalha, passou perfume no pescoço, nos pulsos. nua, se olhou no espelho como há muito não fazia. acariciou levemente a ponta dos seus seios e sorriu para si, com pensamentos que só ela saberia. vestiu um roupão, colocou sua música predileta. ensaiou dois passos pra lá, dois pra cá. bebeu um copo de uísque, engoliu alguns comprimidos e repetiu do uísque até sentir-se sonada. alegre, leve, deitou-se. mudaria realmente de vida. dormiu. e, decidida, não mais acordou.

Um comentário:

disse...

Meu nome poderia ser Luiza.

Mas eu, decidida, acordo todos dias. Porque alguma coisa há de mudar.
Ou mudo eu, ou muda o mundo.