terça-feira, 28 de março de 2006

e você, o que sabe?


Já diria Sócrates, não o jogador, mas o filósofo: Só sei que nada sei. Cada dia que passa mais abraço essa certeza.

Sabe... a vida anda meio estranha nos últimos tempos. Ou a estranha sou eu, o que é mais fácil de ser a realidade. Ou as pessoas, não sei. Nada mais sei. O fato é que o curso de certas coisas tomam um ritmo que me confundem às vezes por completo.

A morte antecipada, capítulo à parte.

Em um mês e meio, três suicídios de gente conhecida - de amigos próximos ou a mim. A fila começou com um menino de parcos 21 anos que trabalhava na administração do Bradesco. Numa manhã de terça-feira, acordou, tomou banho, vestiu a roupa e – ao invés de seguir para o trabalho, preferiu alçar vôo. Um rápido adeus pela janela do sétimo andar. Pá pum plaft. Sei lá que sonoplastia tem de um corpo em pedaços no chão.

Duas semanas depois, o telefone toca e uma voz ganha volume crescente na redação:

— Não, ai, não! Não me diz uma coisa dessa! Meu Deus, por que ele fez isso? Por que não telefonou para conversar? Qualquer coisa, menos isso... Não acredito!!! Como uma pessoa de 60 anos faz uma coisa dessas, gente???


Lá se foi mais um. Dessa vez, um jornalista endividado até o pescoço executara a façanha de dar fim a essa vidinha de deus-dará com um tiro bem caprichado na boca. E mais miolos espalhados no chão. E água, muita água para acalmar a amiga, já que não tinha nada a dizer, além do “lamento sinceramente pelo ocorrido”. E a ecoar ainda a voz:

60 anos... não dá para entender...

Se a pessoa morre jovem é porque é jovem e tinha muito ainda a viver. Se a pessoa é mais vivida também não se perdoa porque julga-se que esta deveria aguentar os trancos da vida.

— Pô, se topou a parada até agora, porque se matar assim, Deus? Por quê?

A pergunta não teve resposta. No fim, a base inicial: ninguém entende nada de nada mesmo.

E ontem, eis que recebo a irrevogável notícia de que Ariclê Perez também se lançara do seu apê em Higienópolis, onde vivia sozinha. Silêncio em muitos flashes de memória.

Nunca fomos amigas de fato, mas lembro de termos nos conhecido nos anos em que o palco era a minha única devoção. Tempos lindos aqueles. Atuar com Ariclê foi aprender detalhes de uma encenação comedida, justa, sem perder jamais a força, o enredo, a ênfase peculiar de uma palavra.

Esquisita a vida. Esquisita sensação de Morte e Vida Severina. Quão severa é a morte na vida que se faz vida na morte que cheira adeus. Quão severa é a economia de gestos, de abraços, de beijos, de afagos, de sorrisos, de elogios, de olhos nos olhos, de uma palavra amiga. Ah, e como dói a falta de ouvir um “bom dia” bem falado e sentir renovado diariamente o amor daqueles que amamos, prezamos e queremos por perto. A ausência desses atos já não traduz morte em vida? Por que então a escolha pela morte morrida, aquela que de fato nada mais ecoa? Por que a cegueira absoluta que leva a cometer atos irreversíveis?

Loucos, todos somos. Somos? Caê disse que de perto ninguém é normal, e acredito nisso também. Da mesma forma que nos temos loucos quando amamos e desejamos que as coisas fluam de modo assim ou assado, mas que pouco cabe a nós porque também dependemos da aceitação, do compartilhar e da sintonia do outro.

Compartilhar. Como essa palavra gera ação. E como ação pulsa vida... Mas sente o cheiro do vento? Parece morte por todos os lados...

Reluto. Não quero. Mas que controle nós temos das coisas? Que controle há sobre e sob os nossos sentimentos? A vida necessita controle? Do quê, para que, para quem, por que?

Não sei. Tento entender... o suicídio, por exemplo. A vontade de morrer porque a vida se esvai em significado. E tudo se torna pouco para tanto sentimento, para tanto viver. Pequenos momentos então crescem numa dimensão abrupta e ganham proporções esquisitas. É. Esquisita a vida. Esquisitas as pessoas. Eu sou uma delas, por certo, eu sei. Tão normal e esquisita quanto. Mas talvez um tanto mais teimosa. Porque apesar de toda luta, toda dificuldade, toda injustiça, todo desentendimento, ainda — sei lá porquê (a gente sabe, sim) — a vida é muito melhor que a morte. E não falo isso porque essa é a única coisa que tenho a experimentar agora (se já morri outras vezes, não lembro mesmo). Mas é preciso, de alguma forma, reter na alma e no coração os momentos que são únicos, singulares, infinitos e eternos dentro de nós. E não me venham dizer que isso é papo de velho porque é mentira. Até porque conheço muita gente (nova) que vive do futuro que não vem porque nada faz no presente.

Eu quero lembrar, eu quero viver, eu quero sonhar, eu quero ajudar, eu quero aprender, eu quero crescer, eu quero compartilhar, eu quero nutrir a esperança de dias melhores, sim! e poder lembrar do tanto que foi, e ainda melhor, se lembrarmos juntos porque assim continuamos: juntos. Ah, e eu quero amar para depois amar e amar cada vez mais a pessoa pra sempre amada.

E aqui faço um pedido a todos que aqui chegaram.

Façam o que for, mas acreditem que ainda podemos. E mais que isso, merecemos. Mesmo quando a aflição corroer o corpo por dentro a ponto de exasperar a alma na sensação de perder o chão. Mesmo quando o dia passar sem um chamado ou uma palavra de carinho. Mesmo quando tudo parecer de pernas para o ar e nada se entender. É a profecia de Sócrates. Basta assumi-la. Porque no fim, o pior suicídio é aquele que se dá por nós mesmos em vida. Na falta da entrega, da compreensão ou da coragem de viver aquilo que se sente. Na negação de um afeto ou da incapacidade de expressar aquilo que tem por mais sagrado. Ou da falta que o outro nos faz. Da impotência que às vezes faz folia em nossa pequena existência limitada.

Mas persistam. Mesmo que não saibam até quando, para quê, por quê. Afinal, a resposta de tudo, talvez, seja justamente a dúvida antagonicamente exata, plausível e simples: Só sei que nada sei.

E se as coisas vão de mal a pior, sugiro aquilo que é fácil dizer e difícil (mas possível) de aplicar: calma. A vida mesmo quando ruim, é boa.

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